quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Carta de D. Jubal sobre a Conferência de Lambeth

Partilhando Lambeth 2008 com nossa gente

Uma semana se passou, já podemos ter uma retrovisão mais tranqüila, com maior discernimento. E esta palavra é chave a fim de que possamos compreender e valorizar o que ocorreu entre 10 de julho e 04 de agosto de 2008.

Colocamos o período inicial de 10 a 15 de julho porque foi o tempo de hospitalidade, quando os bispos se dividiram entre as diversas dioceses da Inglaterra, Gales, Escócia e Irlanda, para adaptação ao fuso horário (mais 4 h em relação ao Brasil) e à cultura local dos nossos hospedeiros. Eleci e eu ficamos junto à Catedral da Diocese de Southwark, na parte Sul de Londres, com nosso antigo e belo amigo, Deão Colin Slee e família, na casa paroquial à beira do Tâmisa, quase defronte à "Ponte do Milênio". O bispo diocesano, Tom Butler, e sua esposa, receberam-nos em sua casa para uma recepção aos onze bispos visitantes mais os seus três bispos sufraganeos, com as respectivas esposas. Alem de nós, eram visitantes três bispos do Zimbabwe e sete do Canadá. Foi uma rica experiência de interação entre os bispos, uma micro experiência do que seria esta Conferência de Lambeth. E todos juntos fomos para Canterbury (Cantuária) na manhã do dia 15.

A maioria dos brasileiros já se encontrava no Parkwood, da Universidade de Kent. Era necessário caminhar uns dois a três quilômetros para chegar ao local das refeições e ao local das Celebrações Litúrgicas e reuniões conjuntas: a "Grande Tenda". Mas havia transporte disponível de 15 em 15 minutos.

Éramos cerca de 650 bispos, cônjuges, e cerca de 500 assessores, incluindo participantes ecumênicos. Só não compareceram bispos da Nigéria, Uganda e Ruanda. Uma fonte de comunicação afirmou que faltaram cerca de 220 bispos anglicanos que fizeram boicote ou foram proibidos por seus Primazes (!?) de comparecer.

A gente sabia da grande tensão que rodeava esta Conferência, e a imprensa secular anunciava o que gosta de anunciar: "A Comunhão Anglicana está em crise! Vai rachar! Quem sabe desaparecer!..."
Facilmente "observamos os corvos em volta, sem perceber os pássaros da esperança e da paz". Esquecemos que ninguém pode aprisionar o Espírito Santo.

Para nós foi a segunda Conferência. Inclusive participei do Grupo de Planejamento da Lambeth 1998. Isso forneceu para a gente a capacidade de ver falhas, mas também permitiu o reconhecimento tácito de que a mudança de método contribuiu inquestionavelmente na formatação do rosto deste encontro internacional dos bispos anglicanos, que acontece apenas de 10 em 10 anos, desde 1867.

Esse método evitou os plenários para a tomada de decisões. Na verdade Lambeth nunca teve em seu objetivo decidir e ditar para a Comunhão Anglicana o caminho a seguir. O próprio Arcebispo Rowan Williams insistiu que Lambeth se concentrasse em dois temas: (a) equipar os bispos para a Missão; (b) fortalecer a Identidade Anglicana. O cerne do nosso encontro de bispos foi a partilha em grupos: Grupos de Estudo Bíblico e Grupos Indaba. O primeiro era composto por 8 bispos, o segundo por 40 bispos, ou seja, cinco grupos de estudo bíblico. Isso permitiu que os grupos Indaba (palavra zulu que significa debater todos os aspectos de uma determinada situação sem intenções de tomar decisões a respeito, mas com tempo e espaço para todos) fossem se transformando em verdadeiras comunidades. Havia um facilitador, um secretario (staff) e um representante do grupo para a formatação dos relatórios. Na parte da tarde havia reuniões plenárias para escutar os relatórios e fazer emendas.


Isso foi possível num ambiente de paciência e respeito, de compreensão das realidades diferentes, das interferências que os ambientes e culturas diversas oferecem na vivencia de nossa fé, dentro da maneira de ser anglicana, porque nos três primeiros dias da Conferência tivemos um Retiro na Catedral de Cantuária excelentemente orientado pelo nosso Arcebispo, assim como pelas liturgias de cada dia, e pela convivência que cultivamos entre nos todos.

Ainda que tivéssemos nossas devoções e refeições conjuntamente, as esposas e os esposos (havia cerca de 20 bispas ,participantes!) também tinham uma programação separada, incluindo o mesmo estudo bíblico em torno do Evangelho de São João. Foram momentos que permitiram uma verdadeira terapia grupal e profunda reflexão sobre a unidade da Igreja, com muito amor e oração pelo que estava ocorrendo durante os nossos trabalhos. Liderava esses trabalhos a Dra. Jane Williams, esposa do Arcebispo de Cantuária. Seus outros trabalhos, palestras e oficinas (musica, liturgia, missão, projetos sociais, redes anglicanas, etc) foram especialmente voltados para a partilha de suas vivencias, ministérios e dificuldades dos diversos contextos de que provinham, alem de exposições e passeios.

Muitos eventos foram oferecidos em horários da tarde e noite, com freqüência voluntária. E muitas noites tivemos momentos de socialização e convivência.

No dia 24 de julho todos fomos as ruas de Londres, passando pelo Parlamento Britânico, até o Palácio de Lambeh, residência do Arcebispo de Cantuária. Todos nós de batina rocha, empunhando cartazes e guarda chuvas, pressionando os governos a atenderem de imediato os "objetivos do milênio", aprovados pela ONU. Cantamos diversas vezes, em português e inglês, o Caminhando pela luz de Deus. Sem dúvidas, foi um poderoso gesto que foi ouvido e visto nos mais diversos cantos do mundo; mostrando uma Igreja que se interessa profundamente pelo que acontece em nossa volta.

O documento final da Conferencia se chama "Reflexões sobre a Conferência de Lambeth". Ele trata de Missão e Evangelização, Meio Ambiente, Ecumenismo, Dialogo com outras Fés, Identidade Anglicana, Homossexualismo, Autoridade das Escrituras no Pensamento Anglicano, o Pacto Anglicano, o Processo de Windsor (recomendações dos Primazes) e Recomendações para o trabalho dos Grupos de Continuação, incluindo o pedido de moratória (que sejam suspensas as ordenações de bispos homossexuais que vivam com pessoa do mesmo gênero, benção de casais gays, e a ultrapassagem de limites provinciais sem permissão).


É reafirmada a posição da diocese como a unidade básica da Igreja, a fronteira onde devemos estar na Missão com maior ênfase. A partir dessa afirmação se questionou o papel deveras hierárquico que vem sendo dado ao Conselho de Primazes nos últimos 10 anos, e se enfatizou a importância do Conselho Consultivo Anglicano na tomada de decisões, onde se incluem bispos, clérigos e leigos, conjuntamente, ainda que seja da nossa tradição que qualquer decisão se torna efetiva somente após concordância da maioria das Províncias Anglicanas.


O papel dos "Quatro Instrumentos de Unidade da Comunhão Anglicana" (Arcebispo de Cantuária, Conferência de Lambeth, Conselho Consultivo Anglicano e o Encontro de Primazes) é reafirmado, assim como as "Cinco Marcas da Missão" (proclamação / batismo e nutrição / serviço aos necessitados / luta pela justiça / integridade da criação).

É fundamental a leitura deste documento final, que relata o que foi dialogado, as alternativas levantadas, e o caminho a seguir nos próximos anos. Entretanto, queremos aqui ressaltar a atmosfera do nosso encontro, que renovou em todos a experiência e a esperança de que como anglicanos, ainda que diferentes, podemos estar juntos.

No sábado, véspera do encerramento, houve um encontro com representantes dos "stewards"(cerca de 70 jovens anglicanos de diferentes nacionalidades que nos ajudaram todo o tempo). Uma jovem afirmou, em testemunho espontâneo, que o que ela vira e sentira ali por três semanas fora a sintonia e harmonia de diferentes bispos e cônjuges, num belo exemplo do que significa ser cristão anglicano.

Pessoalmente, entendemos que precisamos nos entreajudar por maneiras criativas, incentivando a partilha teológica e ministerial ("não se ama quem não se conhece!"), o estudo da hermenêutica bíblica, sempre se afastando de qualquer tentativa de estabelecer limites ou regras que em geral tem sido utilizadas mais como meio de excluir ou silenciar o próximo. Há muita coisa a ser esclarecida e resolvida em família.

Como disse alguém, em um dos grupos Indaba, esta Conferência de Lambeth nos convida a uma Década de Partilha e Generosidade, mantendo-nos caminhando juntos, conversando juntos e juntos escutando-nos mutuamente.

+Jubal e Eleci Neves

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