sábado, 12 de janeiro de 2008

MENSAGEM DE NATAL DE 2007

Uma das mais estranhas e tocantes expressões do Novo Testamento é um versículo da Carta aos Hebreus 11:16: “E Deus não se envergonha de ser chamado o Deus deles”. O escritor está falando sobre a história do povo de Deus. Sempre que o povo se mostra fiel a Deus, fiel em se manter na fé, em vez de se sentir satisfeito em si mesmo, sempre que se sente como verdadeiro peregrino, Deus então fica contente em ser chamado o Deus dele. Ele se declara ser o Deus de peregrinos, de um povo que sabe que suas vidas são incompletas e que ainda está viajando em busca do cumprimento das promessas de Deus. A visita a um campo de refugiados no Oriente Médio, que fiz em outubro último, mostra de maneira literal e absoluta o que significa não ter um lar, sem condições de poder confiar em algum recurso, interno ou externo. Pessoas em circunstâncias tão terríveis jamais se sentirão satisfeitas. Elas sempre esperarão por um futuro. Elas são obviamente aquelas pessoas em cuja companhia Deus não se envergonha de estar, pessoas cujo Deus é feliz em ser o seu Deus. Ele está ao lado dos sem-lar. Mas isso é também uma imagem da relação de Deus com todos aqueles que não têm um lar ou vagueiam por outros caminhos.

Quão desconcertante expressão é dizer que Deus não se envergonha! É como se fôssemos tranqüilizados de que, apesar de tudo, Deus não se importa de ser visto em nossa companhia. A maioria de nós conhece a experiência de se sentir embaraçado por alguém – crianças se sentem embaraçadas pelos pais; os pais pelas crianças. Eu mesmo, algumas vezes, já me encontrei caminhando pela rua com alguém falando alto ou se comportando de maneira esquisita, desejando não ter estado lá. Mas Deus não se sente embaraçado pela companhia humana, quando esta companhia se afasta de sua auto-satisfação e está pronta para continuar ao seu lado. Podemos até pensar que Deus se envergonha da companhia humana, que é imperfeita, confusa e até mesmo pecadora. Mas Deus se sente feliz em ser o Deus de um povo confuso e pecador, quando esse povo reconhece sua própria confusão e enfrenta a verdade de suas necessidades. É isso que as grandes parábolas de Jesus, no evangelho de São Lucas, tanto mencionam, especialmente a Parábola do Coletor de Impostos.

Assim, no Natal, Deus mostra que não se envergonha de estar conosco. Ele ouviu os nossos gritos de fraqueza, as nossas incertezas e ansiedades. Ele olhou para o nosso caminhar e nossas angustias, e Ele não se envergonha de estar ao nosso lado, caminhando junto em nossa peregrinação. E porque Ele está contente de andar em nossa companhia, somos desafiados pela companhia da qual nos envergonhar de andar. Decidimos com muita facilidade nos sentirmos envergonhados de participar da companhia do pecador, do confuso ou do proscrito. Mas Deus, parece, não se envergonha de ser visto na companhia desse tipo de povo. Se Ele se envergonhasse de ser chamado o Deus de qualquer grupo humano, então o texto de Hebreus sugere de maneira enfática que Ele se sentiria muito mais embaraçado por aqueles que pensam que já chegaram ao fim de sua jornada, que pensam que já alcançaram a perfeição (compare as irônicas e desdenhosas palavras de São Paulo em I Coríntios 4:8: Vocês já tem tudo o que precisam. Já são ricos!). E está claro porque Deus se envergonharia de ser o Deus de tal povo: eles se comportam e falam como se não necessitassem de Deus, como se não necessitassem da graça, da esperança e do perdão.

Deus ama a companhia daqueles que conhecem as suas necessidades. E é por isso que Ele vem no Natal para permanecer com eles, viver com eles e morrer e ressuscitar por eles. Ele é o Deus que abençoa o pobre – e não só aqueles que são materialmente pobres – mas aqueles que não têm as ‘riquezas’ da auto-satisfação e do contentamento, aqueles que sabem muito bem o quanto lhes falta a verdadeira e completa humanidade. E assim precisamos transmitir esta bênção aos pobres de toda espécie, aqueles que não têm recursos materiais e aqueles que são “pobres de espírito”, porque conhecem a sua fome e as suas necessidades. Perguntemos honestamente a nós mesmos em que companhia nós nos sentiríamos envergonhados de estar – e então perguntemos onde Deus poderia estar. Se Ele acolheu o fracassado e o fragilizado mundo dos seres humanos, que conhecem as suas necessidades, então precisamos estar lá com Ele.

Que Deus nos conceda toda a bênção e alegria neste Natal.

+ Rowan Cantuar